terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Você, professor O papel positivo do homem na educação das crianças

O papel positivo do homem na educação das crianças Professores homens sabem impor limites, brincar e cuidar dos pequenos tão bem quanto as mulheres. Ainda assim, são poucos os que ensinam crianças pequenas

Paola GentileColaborou Helena Fruet

Daniel Aratangy

O professor de Artes José Francisco Barbosa, de Osasco, e seus alunos: ''Um deles chegou a pedir autorização para dizer que era meu filho''

Quantos colegas do sexo masculino você têm dando aulas na Educação Infantil ou nas primeiras séries do Ensino Fundamental? Um ou dois, talvez, que ensinam Educação Física ou Língua Estrangeira. E regente de turma mesmo, aquele que diariamente recebe os alunos, cuida deles quando se machucam e alfabetiza? Informalmente já dá para perceber que são poucos os homens no magistério, fato que as pesquisas no Brasil confirmam: na Educação Infantil eles não passam de 1,5% e de 1ª a 4ª série somam 16,5% (veja gráfico).

Quem já viu de perto professores homens trabalhando com crianças — como as pesquisadoras, diretores e coordenadores pedagógicos entrevistados nesta reportagem — atesta que eles se saem muito bem na função de ensinar, procuram capacitar-se para melhor desenvolver suas funções e sabem entender o universo infantil tão bem quanto suas colegas.

As crianças precisam ter contato com adultos fortes e atuantes, de ambos os sexos, em todos os lugares, especialmente na escola, onde elas começam a se socializar fora da família. "Tanto nas atividades pedagógicas quanto nas esportivas ou recreativas, os pequenos vão aprender a respeitar diferentes identidades, porque a sociedade é formada por ambos os sexos", afirma Deborah Thomé Sayão, pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina.

O contato com homens e mulheres é importante pelo que cada um dos gêneros representa culturalmente para as crianças: "A mulher (ou mãe) é a que protege, dá carinho e atenção. O homem (ou pai) é o que traz o mundo para dentro de casa, o que conhece e manipula melhor as leis e as regras", explica a psicopedagoga Maria Cristina Mantovanini, de São Paulo. Ricardo Barros, diretor do Externato José Bonifácio, também na capital paulista, vai mais longe: ele acredita que a ausência de professores nas séries iniciais dificulta a relação dos adolescentes com educadores do sexo masculino nas séries mais avançadas, como ele já presenciou em sua escola. "Esses jovens tendem a discriminar, a menosprezar e a enfrentar os professores homens no Ensino Médio", afirma.

Da parte das crianças, não há diferença alguma em ter aulas com professores ou com professoras, desde que todos eles sejam compreensivos e habilidosos e dêem aulas interessantes e dinâmicas. "Fui muito bem recebido pelas diversas turmas, não só de Educação Infantil como também de Ensino Fundamental. Um dos alunos até pediu minha autorização para dizer aos coleguinhas que era meu filho", atesta José Francisco Barbosa, professor de Artes da Escola Municipal de Educação Infantil Benedito Weshenfelder, em Osasco, na grande São Paulo.

Eles também sabem brincar e impor limites na dose e na hora certas

Na escola ou mesmo nas famílias é comum achar que homens conquistam mais facilmente o respeito da molecada. "Por uma questão cultural, muitas vezes eles conseguem impor limites com menos melindre", afirma Maria Cristina Mantovanini. Acreditando nisso, Sueli Aparecida Santos Juliani, diretora da Creche Formiguinha, em Barretos (SP), entregou no ano passado uma de suas turmas de Educação Infantil para o professor recém-chegado Reginaldo Oliveira. "A classe tinha várias crianças com problemas de comportamento", conta Sueli.

Reginaldo aceitou o desafio sem vacilar. Afinal, havia sido um sufoco arrumar emprego depois de formado no magistério. "Enfrentei preconceito dos directores por querer leccionar para crianças pequenas. Um deles chegou a me dizer que os pais — principalmente os de meninas — não aceitariam um homem na sala de aula, por medo de assédio sexual", relembra. Reginaldo enfrentou o desafio. A comunicação com os pequenos não foi fácil: ele teve que buscar linguagens como o teatro e a música, mas se saiu bem. As crianças começaram a apresentar bons resultados de aprendizagem.

Capacitação é a maneira de conhecer melhor as crianças

Segundo Deborah Sayão, receber turmas indisciplinadas, como ocorreu com Reginaldo, é parte do ritual de passagem imposto por diretoras, colegas e funcionárias, direta ou indiretamente, aos poucos que optam pela carreira. Ao ter de enfrentar um universo predominantemente feminino, os homens que dão aulas para as crianças se preocupam em aprender a lidar com esse público, e fundamentam bem qualquer nova proposta de atividade. As mulheres, de acordo com o senso comum, apresentariam um desempenho melhor por terem um "instinto natural" para o trato com os pequenos.

Oswaldo Torres, coordenador pedagógico do Centro de Educação Infantil Cristo Redentor, em Florianópolis, iniciou em sala de aula com alunos de 2 e 3 anos, em escola estadual, logo depois de formado. Até então, ele nunca havia tido contato com crianças dessa idade. "Eu não sabia dos cuidados que elas precisavam, mas com a prática e a fundamentação teórica fui adquirindo confiança", confessa. No final do Magistério, Oswaldo fez um curso de extensão em Educação Infantil e aprendeu mais sobre o desenvolvimento físico e psicológico nos primeiros anos de vida. Ao terminar a faculdade de pedagogia, especializou-se nas séries iniciais e em Educação Especial, já que na época tinha um aluno surdo. No ano passado, terminou outro curso de especialização em Educação Infantil, desta vez em nível de pós-graduação.

Fernando Priamo

Fernando Priamo

Oswaldo Torres (em pé), coordenador do Centro de Educação Infantil Cristo Redentor, em Florianópolis: "Os pais vêm à escola mais do que as mães"

Enquanto se especializava no atendimento ao público infantil, ele enfrentava o preconceito dos pais. "Muitos deles questionaram minha sexualidade. Um avô ficou furioso quando soube que eu ia dar aulas para a neta, porque achava um absurdo um homem levar as meninas ao banheiro", conta. Os pais só mudaram de atitude e começaram a ser simpáticos com ele quando perceberam o contentamento com que os filhos contavam as atividades e brincadeiras feitas na escola. "Adquiri a confiança de todos e agora, como coordenador, estou conseguindo outra conquista: estabeleci um vínculo tão bom com os pais que eles vêm à escola conversar sobre os filhos mais do que as mães!"

Se eles são tão importantes, por que são tão poucos?

Além da imagem de "profissão de mulher", outro fato que afasta os homens da carreira é a remuneração. "A sociedade ainda vê o homem como o provedor do lar. Por isso, espera-se que ele opte por uma profissão que o faça financeiramente independente e capaz de manter casa e família. E professores de séries iniciais são os mais mal remunerados da carreira do magistério", analisa Maria Cristina Mantovanini. Casado e pai de dois filhos adolescentes, José Francisco Barbosa, de Osasco, complementa a renda da família com trabalhos de design gráfico, que é a sua formação. Já o professor Thomaz Spartacus Martins Fonseca, de Minas Gerais, por exemplo, mora com os pais: "Com os salários que recebo das duas escolas consigo viver bem, economizar e ainda ajudar nas despesas de casa".

Danisio Silva

Danisio Silva

Thomaz Fonseca, de Minas Gerais: "Gosto mesmo é de alfabetizar"

Historicamente, a profissão é identificada com o sexo feminino. "Durante séculos houve resistência à idéia de as mulheres trabalharem no Brasil, mas o magistério encaixou-se bem para elas", afirma Jane Soares de Almeida, coordenadora de pós-graduação da Universidade Metodista, de São Bernardo do Campo, na grande São Paulo. Dar aulas para crianças, e ainda em meio período, era uma atividade compatível com os papéis de dona-de-casa e de mãe.

Ao mesmo tempo que as mulheres entravam no mercado de trabalho, os homens começavam a ter mais opções tanto de cursos secundários (voltados para o comércio e para a incipiente indústria) e de graduação, para exercer carreiras na época tidas como mais promissoras, como direito, medicina e engenharia — profissões às quais as mulheres ainda não tinham acesso. Nos países europeus, as professoras já eram maioria desde a Primeira Guerra Mundial — já que os homens estavam lutando. No Brasil, essa condição foi alcançada nos anos 1940. Por isso o estranhamento quando um homem escolhe o magistério como profissão.

"Senti a pressão para abandonar a profissão logo no curso normal", lembra Thomaz. Apesar de ter sido bem recebido pela diretora da escola — que chegou a comemorar o fato de homens se interessarem por ensinar crianças —, ele teve problemas com uma das professoras: "Ela queria que eu e outros quatro colegas mudássemos de curso, alegava que nós tumultuávamos a sala e chegou a pedir vagas para nós no científico!" Mas nem ele nem os outros desistiram. Thomaz começou a faculdade de Ciências Sociais e deu aulas de Geografia para turmas de 5ª a 8ª série e para jovens e adultos. Desistiu da faculdade porque queria alfabetizar. "Este ano tenho uma classe com 28 crianças de 5 e 6 anos e está sendo um desafio, porque elas são mais dependentes e sensíveis", conta.

Para driblar a possível falta de jeito com os alunos dessa faixa etária, ele conta com o apoio da coordenação pedagógica e das outras professoras. "Elas me dão conselhos e sugestões sobre como cuidar dos pequenos. E estou conseguindo cumprir meu trabalho como qualquer professora." Além da turma de Educação Infantil na Escola Municipal Conceição Aparecida Rosso, em Simão Pereira (MG), ele tem outra, de 1ª série, na Escola Municipal Cecília Meireles, em Juiz de Fora (MG).

Para Marília Carvalho, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, o sucesso do professor homem com a criançada não espanta. Ela analisou as características do trabalho dos professores nos primeiros anos de Ensino Fundamental, fase em que além da preocupação com o desenvolvimento intelectual da criança, há a necessidade de cuidados físicos e atenção ao desenvolvimento psicológico e social. "A profissão de professor, nessa etapa, tem as mesmas características do modelo de mãe que a sociedade tem como ideal", justifica. Mas isso não quer dizer que os homens não possam dar conta do recado: apesar de iniciarem o trabalho com uma postura impessoal, com o tempo adquirem as mesmas preocupações que as mulheres normalmente têm. "Enxergar o aluno de maneira global, habilidade muito aguçada em quem dá aula nas primeiras séries, deveria ser um padrão para educadores de todos os níveis de ensino", aconselha Marília.

Homens são minoria no país

Fontes: Relações Anuais de Informações Sociais (Rais) de 2003, do Ministério doTrabalho, e dados parciais do Censo dos Profissionais do Magistério de 2004, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais...
Anísio Teixeira (Inep/MEC).